Se não me
passa a perna a memória, lá no iniciozinho de 90, o poeta Willian Mistério,
conterrâneo meu, estreou uma peça no Teatro Municipal de Nova Lima - MG (ou quem
sabe foi no pequeno palco da Casa Paroquial?) A peça tem exatamente o título
acima. Não saberei precisar se foi mesmo no Teatro ou na Casa Paroquial, mas o
visionário Willian Mistério predisse todas as agruras dessa deidade do
capitalismo incrustada na fronteira mais agitada entre NL e BH. Ele falou de alguns problemas que emputeciam as
madames de então, lançando chamas de dúvidas sobre um futuro harmonioso entre uma gente
que só quer grana e outra que só quer consumir. Isso até parece um casamento perfeito,
e infelizmente o dia a dia pelos anos afora revelariam que são mais compatíveis
do que parecem...
O shopping de maior venda da capital mineira e também o mais agradável é o BH-Shopping. É também o único dos sete ou
oito
de Belo Horizonte que realmente foi construído no conceito original de seus inventores
os norte-americanos, é claro. Em plena rodovia, nas margens de alguma
cidade grande, fora do centro urbano, e tal. É comum se dizer lá tudo é caro, mas
aonde você encontraria conforto, segurança e estacionamento fácil?
Todos os outros shopping de BH nasceram na esteira do grande sucesso do
BH-Shopping, mas foram construídos sem respeito à fórmula original e alguns até dentro
da cidade em arranha-céus verticalmente ganhando as estrelas. Três, não estão no
centro tumultuado de BH, mas no HIPERCENTRO de Belô. E adivinha os nomes: Shopping
Cidade e Central Shopping, o outro é Diamond Mall. São monstros que vieram bagunçar
mais ainda o miolo de BH.
Mas, voltando à questão do Conceito Original, esses não são Shopping, foram
batizados de shopping, são apenas galerias de lojas, meros centros de feirões, ou qualquer coisa assim.
Um outro que se encaixaria nesta de Shopping de verdade, seria o Ponteio.
Construído nas margens de uma rodovia, mais ou menos fora do centro, com ampla área para
os visitantes relaxarem, bela arquitetura... entretanto só vende artigos para
o lar: móveis, eletrodomésticos, cozinha, etc. Portanto também não é um
Shopping Center onde você encontraria de um tudo. É um conjunto de lojas, um
feirão chic, belo e caro, com um estacionamento
horripilante no subsolo.
O Shopping Del Rey, quase na rodovia 262, quase fora da cidade é quase um shopping de
verdade.
Ele não é só feio, é confuso também. Bonitinho por dentro e horroroso por fora. Ele
é todo mostrengo. Entradas confusas, saídas confusas e aqueles tubos esquisitos
que reciclam a água erguidos do lado de fora do prédio sem nenhum tratamento estético,
são epítetos da arquitetura mesozoica! Isso sem falar da poluição sonora e
atmosférica dos milhares de carros e ônibus que povoam a avenida e o anel rodoviário entorno do Del Rey... ufa, tchau!
O Minas Shopping, também nas imediações do hipercentro, faz 'parede-meia' com um
hiper-mercado. Às vezes você entra num querendo entrar no outro e quando
acha a pista certa, corre o risco desta o levar para fora do estacionamento.
Sobrou o BH-Shopping. O que nos traz de volta ao poeta Willian
Mistério e sua madame emputecida.
É sem dúvida o melhor shopping. Calmo, longe da bagunça do centro, bonito... porém
cresceu tanto, esticou-se tanto e faturou tanto que a antiga região desértica de beira
de estrada escura e empoeirada em que fora erguido se transformou no mais próspero bairro
da capital. Agora tudo é arborizado e iluminado. Inúmeros edifícios de salas e
apartamentos surgiram da noite para o dia. Mansões, lojas de carros luxuosos, hospitais,
universidades, laboratórios, avenidas, pontos de lotações, táxis, clubes, bares,
restaurantes... tudo de uma hora para a outra no rastro de sucesso do BH-Shopping.
Sem dúvida o melhor shopping do estado, ou quase...
De uns anos pra cá a ganância e o silêncio dos consumidores degeneraram o shopping e a
área entorno. Ele cresceu descontrolado para cima e para os lados. Cresceu...
talvez essa não seja o palavra certa. Inchou. É isso.
INCHAÇO
Inchou, inchou. Perdeu espaço dentro e fora. Quero dizer,
o público perdeu espaço. A fonte dançou primeiro. Uma fonte linda. No meio do
shopping águas brotando do nada nos dava a sensação milagrosa de frescor e descanso.
Aonde foi parar a fonte? sacrificaram o glamour em nome de uns trocados a mais. E ninguém
se manifestou, exceto Willian Mistério...
Depois proliferaram as construções. Galerias, lojinhas, mais praças
de alimentação, mais estacionamento e mais lojas sobre e sob esses estacionamentos que
mais tarde viraram também lojas. Aliás, no meio do caminho entre essas construções, um
espaço reservado para shows e eventos no estacionamento também se foi. Lembro-me que o
primeiro show ao vivo que assisti do 14 Bis, foi no estacionamento do BH-Shopping com pelo
menos seis mil pessoas. Tempos bons aqueles. Hoje 500 pessoas não se acomodariam ali.
Me pergunte se em qualquer época o BH-Shopping fechou um único dia para
tocar essas construções? nem um segundo mais cedo ele fechou. Trabalharam noite
e dia funcionando a todo vapor. Taparam os pedreiros, a poeira, as marteladas e caminhões,
com tapumes de todo tamanho e cor. E na data marcada, com a competência de empresa de Primeiro Mundo, inauguraram a
nova galeria, a nova loja, o novo estacionamento, o novo piso...
Agora temos o terceiro piso, chamado Ouro Preto. Bela homenagem
à antiga cidade das riquezas Mineiras de outrora. Ouro Preto de tantos poetas,
falcatruas, traições e
revoluções.
É o andar onde se encontram agora os cinemas, as mais sofisticadas lojas, e é lógico, espalhado para os lados, mais estacionamento.
Então vejamos: embaixo de tudo o Carrefour, algumas
lojas e estacionamento, é o piso 1, recebe o nome Belo Horizonte, depois o piso
2: Nova Lima e estacionamento. E finalmente o piso 3, Ouro Preto e
estacionamento.
Já em volta ao BH-Shopping, como um ataque de mil
pragas ergue-se um portentoso burgo.
Você pode comprar um General Motors do último modelo, um computador topline ou
aquela lingerie importada, e até, num carrinho de camelô
por ali, tomar um
legítimo caldo de cana com um pastelzinho frito na hora. Isso sem se afastar muito das
dependências do shopping e se tiver disposto, com um simples toque poderá levantar a
lona empoeirada de um caminhão na beira do asfalto para comprar o mais delicioso abacaxi da redondeza, massa amarela,
e talvez até mais doce e certamente mais barato que no próprio balcão do
Carrefour. (rsrsrs)
Quer mais?
Hoje milhares de carros e ônibus passam em frente ao shopping. Poluição,
barulho. Tumulto no ponto onde todos vão para Nova Lima, Raposos, Rio Acima... Gente
demais se espreme num espaço muito curto sob a laje do ponto de ônibus.
Os projetistas pensaram apenas nos carros. São deles que vêm os
melhores clientes.
Quem pega buzu? Assalariados, estudantes, classes C, D, E, F...
Há duas pistas em cada lado para os carros irem e virem e no meio
delas uma divisória tipo canteiro central com inacreditáveis 15 ou 20 cm se tanto. As
pessoas atravessam as pistas e se equilibram nos paralelepípedos esperando
uma pausa no movimento de carros para não morreram atropeladas. Se
esforçam muito para ficarem de pé e não caírem na frente de algum carro que geralmente
está em alta velocidade.
Você pergunta espantado: semáforos? não instalaram nenhum?
Por mais patético que seja, sim. Instalaram sim! E não
apenas um, mas um conjunto inteiro. Em cada esquina, em cada travessia, porém
simplesmente não o ligaram. Levaram anos para finalmente ligá-los. Talvez, imagino,
depois de tudo pronto, algum técnico chegou com uma bela
estatística, essa gente não faz nada sem uma Pesquisa que gere inúmeras
Estatísticas. Bom, esse tal sujeito chega e mostra um estudo recente
que prova que os semáforos retardariam o fluxo do trânsito em xy minutos, o que
acarretaria eles adoram essa palavra um atraso na entrada de
novos consumidores nos estacionamentos, diminuindo o tempo de permanência de novos
clientes no interior das lojas, criando um prejuízo diário de xxyy. Então, em nome
desses trocados os semáforos ficaram apagados por anos. – Você acredita nisso?!
Nem o alto número de atropelamentos leves e outros graves no meio e nas margens das pistas frente aos pontos de
ônibus obrigava-os a tomar qualquer atitude. Será porque as vítimas eram só de
pobres?
Mas, quando uma ambulância
chocou-se com uma moto que explodiu e matou o motoqueiro - notícia em toda
imprensa - aí eles às pressas, ameaçados por manifestos e abaixo-assinados, decidiram
ligar os semáforos.
Contudo, em menor quantidade, os acidentes e atropelamentos continuaram. Por fim, um dia vi chegarem
caminhões, operários, máquinas, cimento, areia...
Ingênuo, imaginei logo um canteiro central de verdade, com espaço suficiente
para as pessoas ficarem em pé sem medo de perderem o equilíbrio e mergulhar no capô de alguém. Afinal, as
passarelas das lojas exatamente enfrente aos pontos de ônibus têm 4 e até 6 metros de
largura. Poderiam ceder alguns centímetros sem prejudicar as lojas reservando um
tamanho seguro para o canteiro central...
Ah, quanta ingenuidade!
Meteram uma grade com ± dois metros de altura cortando toda a divisória de
paralelepípedos de ponta a ponta deixando uns dez cm de cada lado entre as pistas. Na
faixa de travessia do pedestre uma abertura com pouco mais de três metros liberando as
pistas. Quando um monte de gente desce de uma só vez de algum ônibus sentido Nova Lima
Belo Horizonte, é um sufoco.
Se no meio da faixa de pedestres o sinal verde abrir para os carros, Deus nos acuda!
Só resta pôr fé nos 15 ou 20 centímetros de apoio para os pés. É tudo o que
resguarda o cidadão da tragédia.
Muita gente ainda machuca ai, neste exato momento. Gente que não acredita na Justiça e não abre processo. Você
os encontra e questiona. Fecham a cara e respondem 'Pra quê? pra perder tempo e o juiz
aplicar uma multinha de merda? e que não será paga?!'
O que deveria ser solução na cabeça-cata-níqueis do
pessoal da administração do BH-shopping acabou se confirmando em mais e mais acidentes. A
grade virou uma surpreendente armadilha confinando um estreito corredor onde o pedestre
desavisado tem no mínimo a orelha, ombros e cotovelos raspados pelos espelhos laterais,
as roupas rasgadas pelos ganchos de carrocerias, e unhas de pés espremidas. Isso sem
contar com o aspecto geral da grade. Todo santo dia um carro bate na grade ou
simplesmente esbarra arrancando pedaços e os espalhando como espinhos nas pistas.
Há ainda os estudantes que são arrastados pelas mochilas... etc, etc.
A administração corre para consertar as coisas? que nada... A grade fica lá cheia de
buracos e barras retorcidas num cenário de guerra. É um epitáfio sórdido à
cultura brasileira.
Sabe por quê?
Algum gênio, formado nas escolas particulares ou federais, concluiu, depois de alguma
pesquisa é claro, que deixar juntar os estragos e depois arrumar tudo de uma só vez sai
mais barato. De preferência no Fim de Ano, antes das festas, é claro!
Não me pergunte se alguém reclamou ou foi mais além... Não me
pergunte se alguém deixou de comprar lá sob protesto... Não me pergunte se alguém deu
entrada no Procon, na polícia, ou no fórum... mas sabe qual é a da administração
agora?
ESTACIONAMENTO PAGO!!
Recebo emails de amigos vamos protestar! gritam eles. Repasse essa
mensagem... é um absurdo!. Bom, muito bom. Porém, esse movimento está
atrasado pelo menos 10 anos. Quando suprimiram a fonte para colocar uma escada rolante
em seu
lugar, aquela era a hora. Mas, madames e cavalheiros suspiraram aliviados por não terem
que subir mais um lance a pé. Acharam legal.
A administração ficou à vontade. Não importa o que fizessem, o que inventassem, o
BH-Shopping é imbatível.
Muitos anos, tantas mudanças, tanto aperto e tantas agruras, para não
poderem mais dizer 'É o shopping mais caro de BH, mas tem estacionamento grátis
e seguro'.
Gladston Nascimento, violeiro, cantador, grande
artista independente. Além da música pegava uns bicos com uma pequena loja de bugigangas
na rua Tupi em BH. Quando perguntaram ali pelos anos 80, por que ele não abria uma loja no shopping, preconizou o fim breve do BH-Shopping.
'Vai quebrar em alguns meses' disse
alisando o bigode. Talvez pensasse no alto investimento para manter um negócio
ali.
Eu vinha de Nova Lima e passava na frente do shopping todo dia. Via
todos aqueles carros, aquela agitação, não acreditei no Gladston. E o shopping não quebrou, seguiu firme e forte
todas essas décadas.
Todavia, vejo coisa estranha no horizonte. Gosto de sentir-me como um estudioso de sinais.
Alceu Valença canta Tu Vens, Tu Vens, Eu Já Escuto os Teus Sinais... eu
diria Eu Já ESTUDO os Teus Sinais.
Um piscar sutil de olhos, uma nuvem, uma fumacinha de nada, são sinais tremendos e
reveladores.
Ando pelo shopping, vagabundo entre uma vitrine e outra. Meus charutos já não encontro,
a loja fechou há meses, seu lugar, cortina de madeira branca, continuou vazio
por outros meses a fio.
Por falar em tapumes, eles cobrem espaços enormes que pertenceram a grandes lojas.
São véus brancos escondendo uma morte lenta e agonizante? Começaram a
pipocar aqui e ali entre um piso e outro espaços pequenos em branco. Ninguém fala,
ninguém comenta, mas acredito que o BH-Shopping está em crise. Em crise financeira e de
Identidade. A administração está atenta só às perdas de faturamento. Lá
trás optaram por um caminho sem volta. Devem passar horas e horas imaginando uma saída.
Não podem mais inchar para lado nenhum, acabou o espaço físico. Só se derrubar tudo e
fazer de novo, verticalmente.
O próprio mercado em volta de si, que fez florescer nestes anos todos, hoje é seu
principal concorrente e pior, os investidores ainda não conseguiram vender todas as salas
e apartamentos que construíram na região apesar de já passados anos, o que
demonstra que a crise é mais profunda e que torna a situação do BH-Shopping mais
delicada ainda, porque a principal Lei do Mercado Livre que é a tal da 'Oferta e Procura', é
o que de fato regula os preços, cria ou detona crises...
A SOLUÇÃO
Baixaram os preços das lojas ao redor do shopping isso puxou o
empresário de dentro para fora. Ele, por sua vez, atraiu sua clientela e assim
obrigou a administração a fazer o mesmo. Mas, usou uma forma interessante. Ao
invés de simplesmente diminuir os preços dos aluguéis das lojas, eles ofereceram
os espaços vazios por um preço melhor aos lojistas vizinhos desses espaços. As
lojas cresceram e os produtos também deram uma microscópica reduzida nos
preços... recuaram na política de sugar mesquinhamente tudo que pudessem.
Se não fosse esse recuo assistiríamos cedo demais a uma horrível ficção de
terror: o BH-Shopping transformado em alguma coisa bem próxima ao Mercado Central, ali na av. Paraná.
Não, não ria. Não pense maldade, eu ficaria triste se isso acontecesse. Sou romântico
lembra-se? gosto das coisas belas, as pessoas sorrindo, as coisas fluindo naturalmente.
Tenho saudade dos primeiros anos dele. Este que foi o primeiro shopping de Minas, o mais
belo, o mais romântico, e o mais honesto pelo menos no princípio.
Talvez melhor seria se não tivessem arrancado aquela fonte dali, não tivessem avançado
suas construções empilhando estacionamento pagos e outras firulas humilhantes.
É o preço de um monte de sucessivas ideias instigadas pela doutrina do caça-níqueis.
E quem irá julgá-los?
Bem, como diz Willian Mistério, é uma pena.
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