Emília tinha 16 quando se deu o defloramento. Estava
assim mesmo na ocorrência do delegado, 'defloramento' depois '16 anos'. O cabo
ao preencher a ficha duvidou, 'mais ela num tem cara nem de 15, sô!'
O delegado olhou feio como quem diz 'cala a boca', depois, num exame de cima a
baixo sorriu. 'Tem perna grossa!' Ele adora menininhas pobres, brancas,
inocentes e de pernas grossas. Os limõezinhos durinhos. Uma delícia disse
lambendo os beiços. Mais o pai quer casar ela. O cabo previu o destino das
ideias do delegado. Que se dane, o delegado deu de ombros, vou cumê!
Onde já se viu? o próprio delegado de olho na menina
que o pai trouxe para dar queixa do filho do coveiro! Lamenta o cabo ao
subalterno. Subalterno? o que estaria abaixo de um cabo? Aliás, todo o
contingente da cidade é o delegado, um cabo, um soldado mais raso ainda por ser
um ano mais novato no serviço, uma bicicleta e uma égua velha de nome Formosa. O
governo gasta com a manutenção da delegacia cerca de seis salários mínimos por
mês. Agora gasta um pouco menos porque mandou cortar o milho e as ferraduras de
Formosa. Estava assim na ordem de serviço do comando na capital à delegacia:
Por ordem do Ex.mo Sr.
Gov. do Estado de Minas Gerais, visando maior austeridade no controle da
coisa pública, fica a partir desta data suspenso todo e qualquer
subsídio destinado à manutenção de itens que não pertençam ao quadro
oficial desta corporação. Todas as delegacias regionais devem se
esforçar no cumpriment... blá, blá, blá, blá... |
O único objetivo da missava era cortar o milho e as ferraduras de Formosa.
— Fique fora disso, Bené! se o home qué cumê, deixa cumê uai! o pobrema é dele!
— Não sô! nóis é que temo de resorvê isso.
— Como assim? eu é
que nun'vô mexe com o home!
— Nóis é a lei, sô!
temo que impôlr a lei e não ficá pulando ela toda hora...
— Larga de cê
besta, Bené! eu acho cocê tá é de ôio nos cambitos dela também!
— Que isso, ôh! me
respeita... se ela fosse mais véia...
— O delegado num tá oiando isso não, e ele já tem seus cinquentinha...
— É muita safadeza
viu!
— Óia Bené, cê tá istressano atoa! Pegaram o rapá na cama dela!
Disseram que ele pulou de noite a janela do quarto dela. Fragra'res de manhã...
Se ela acordada normal, se ela num gritô, é porque tava querendo, certo?
— E por que
ele não saiu cedim e foi embora? antes do povo acordá?
— É porque o
trem tava bão demais uai!
— Será? que até se esqueceu de ir embora, sô! Mais que trem afuguiado é esse!!?
— Perdêro azora! Rhá!
— Tavam muito
cansado? rsrsrs!! As perma bambiô!!
— Mais a minina é tudo isso mesmo ou é ocês que tão atrasado?
— É um PEDAÇO
de muié! Não parece mesmo que tem só isso de idade...
Na segunda audiência, calor danado, acareação. Todos presentes, sala do delegado
cheia. Paredes brancas de reboco ralo e mal acabado, escamas e tatuagens de
picumãs, poeiras de anos. No teto esteira de taquara crua. Uns chapiscos de sol
trespassam as gretas das telhas. Bené coça a testa, desce os olhos pelas costas
da menina. Mastiga no canto da boca a palha do cigarro. Sua obrigação de ofício
é acompanhar tudo de perto, como auxiliar e imediato do delegado. Descansou o
ombro na parede, quepe apertado no bolso. De um lado a mãe e o pai lavradores de
enxada sol a sol; no outro, junto à mesa, o filho deflorador e o pai coveiro,
todos de carranca fechada.
— Me descurpa
eu, mais não posso artorizar o casamento. – falou o doutor delegado. — Por
enquanto não!
— Pruquê qui
não? – é o pai da moça.
— Preciso interrogá ela direito.
— Mais por quê? – cortou o cabo. – Se todo mundo confessou e concordô!?
— Cala boca Cabo! – delegado levantou-se da cadeira nervoso, um tapa na mesa.
Depois se controlou. — ... é ... tem umas coisa que eu tenho que ter certeza
primeiro... preciso interrogar a vítima sozinho, ocês espera lá fora e vorta só
quando eu chamá. A mãe olhou a cara do pai e depois a cara do delegado. —
Quê mais o sinhô precisa sabê?
— Umas
coisas! – riscou impaciente. — É umas pergunta duras que'u vô fazer prá ela e
ela num vai correspondê, quer dizer, arrespondê direito concês tudo perto... –
deu um risinho.
Todos foram saindo, inclusiva a moça. Ela nunca falava nada, cabeça
matreiramente para baixo, olhos ágeis sondando tudo disfarçadamente. Às vezes um
suspiro de tédio, a pontinha da unha entre os dentes. Tomou a porta de saída. — Ocê não! – o delegado pegou-a pelo braço. — Ocê fica.
Quando todos saíram, trancou a porta, sem perda de tempo
sapecou um beijo de língua na boca da moça. Fechou os olhos apertados, franziu a
face. Fez um beijo áspero, sufocado. Espremeu o corpo no dela num abraço de
força e sequestro. Os dois braços de homem aflito, forte, comprimindo-a sem dar
espaço ao suspiro, à respiração. Seus lábios tamparam toda a boca da menina.
Talvez para impedir o grito, ou para não ouvi-la dizer 'não'. A respiração dela
é ofegante. Sabe que está a ponto de gritar. Delícia! Sussurrava
sem juízo enquanto a língua balançava freneticamente no céu da boca da menina.
Uma menor, 16 anos! Meu Deus!!
Do lado de fora, nem som, nenhum gemido, nem respiração, nem uma palavrinha se ouvia. O cabo Bené, com a pulga trás da orelha, imaginava tintim por tintim o que acontecia
ali dentro enquanto fitava a madeira escurecida da porta. Ficou impaciente,
sussurrou no ouvido do soldado, que tão fazendo? tão meteno? Mas será pussívi?
Pôde ver claro na sua cabeça o delegado agarrando-a pelo cabelo, tapando sua
boca, depois rasga suas roupas apontando o revólver para a sua cabeça. Ela chora
baixinho, reprime o choro e a dor. O delegado enfia aquele pintão grosso na sua
vagininha tão pequenininha.
No entanto, o delegado estufou e arregalou os olhos de
espanto. A língua dela tocou a sua num contato úmido. Se espremeram, se
esfregaram. Ela correspondeu ao beijo! de olhos fechados e tudo. Depois levou a
mão na braguilha do homem. Tocou o pênis com a graça e a habilidade de uma velha
quenga cheia de experiência. Então, sob os olhos incrédulos do delegado, Emília
desceu a calcinha, empurrou as coisas sobre ao mesa e deitou-se com um riso
safado, abriu bem os tocos de pernas e o puxou contra si. O delegado quase teve
um enfarte.
O Cabo suando frio não aguentou mais ficar quieto com
os olhos pregados na porta. Veio-lhe aos nervos meter o pé nas tabuas, derrubar
tudo e pegar o delegado pelo pescoço, mas poderia perder o emprego. O que fazer?
Saiu rápido sem olhar para ninguém. Deu a volta, zanzou prá lá e pra cá, depois
entrou no banheiro, trancou a porta. Subiu no vaso sem tirar a tampa, a ponto de
quebrar-lhe a louça. Apoiou o pé na pia. Ergueu os braços, arredou a tampa do
sótão e se arrastou sobre os caibros das cumeeiras. Rastejou sofrido sem poder
fazer barulho. Teias de arranha, bosta de rato e morcego, penas de pomba e toda
sorte de inquilinos furtivos. Na esteira sobre a sala do delegado arregalou os
olhos. O que viu subiu-lhe o sangue num calor insuportável: a menina, nua da
cabeça aos pés, deitada na mesa do delegado; este de pé, as calças arreadas aos
canos da bota, o paletó e a camisa abertos no peito, encaixado no meio das
pernas dela, o revolver na cintura andou de lado e caro pulava no vai e vem
sobre o rego de suas nádegas. Bombando, bombando. Ela com um sorriso angelical e suspiros
baixinhos enfiava os dedos nos fios peludos do peito dele, movia os quadris sem
parar, peneirando, peneirando, arqueava o corpo e o abraçava com murmúrios
despudorados colados no ouvido dele, depois como que desfalecida desabava sobre a mesa e
cravava-lhe as unhas no peito. O delegado sufocava o rugido, arrepiava e
imprimia mais força nas bombadas.
Bené não conseguiu evitar a ereção. E nem quis. Os
lábios dela, aquele olhar, o modo de mexer os quadris, o corpo. As pernas
brancas se roseando no roçar do corpo do delegado, aqueles seios, o umbigo. Ela
é linda, disse para si, e sem perceber sua respiração já está ofegante e seus
dedos acariciavam o membro. Quando se deu conta, sua mão subia e descia numa
masturbação nervosa, olhos fixos no corpo da menina, nos mamilos e no círculo
estonteante que seus quadris desenhavam no pinho da mesa. De repente
interrompeu-se. Ela olhou direto em seus olhos. Mesmo através da esteira, ela
olhou em seus olhos, tinha certeza. Mas, a menina em seguida fechou os dela,
contorceu-se, virou as costas, deixou que o delegado beijasse suas nádegas e a
penetrasse por trás. Depois caprichosamente virou-se, beijou-o na bochecha e
lançou um beijo à esteira. Fechou os olhos e o delegado a possuiu com febre
novamente. Bené soube que o beijo era seu. Ela o queria também. Ela é
linda. A mão subia e descia. O delegado suava, a menina ofegante escondia o
gemido. Um beijo, um par de olhos na esteira, o suor. Enfim, juntinho os três
chegaram ao ápice.
Atrás da porta, na sala ao lado, nada. Nenhum ruído. Ninguém ouviu nada.
A porta do delegado abriu-se, já não era sem tempo, suspirou a mãe. Todos
entraram. O cabo chegou correndo, passou o braço do jaleco na testa para secar a
gordura. A menina deu um risinho miúdo no canto da boca, baixou a cabeça. Bené
disfarçou. Havia uma rodela molhada no canto da sua calça. Ele
a cobriu com o coldre do 38. O delegado tomou a cadeira, suado e ofegante
reclamou do calor, pousou os cotovelos na mesa, não esperou, catou no chão uns
papéis, carimbos e caneta, foi dizendo: — Agora ela tá devidamente interrogada,
talvez seja melhor mesmo se casar! Ocê quer casar com esse ai? – A menina fingiu
que não ouviu, mas lançou um olhar lânguido sobre o delegado e depois os dirigiu
para os olhos do cabo, e lentamente desceu-os tateando à altura da mancha na
calça. Aquele olhar esfriou sua espinha. Quase teve outra ejaculação. A mãe a
cutucou e disse sim em seu lugar. Porém, o delegado insistiu na resposta. Ela,
de cabeça baixa apenas balançou levemente o rosto para a esquerda, depois para a
direita. — Isso é um não! – clamou o digno representante da justiça. — Ela
não quer se casar e pronto.
— Como não? – gritaram a mãe e o pai. — Ela não é mais moça! Ele deflorô ela!
tem que casá. – exigiu o pai.
— Ela não tem mais futuro se não casá, – disse a mãe. – ela tem que querer não,
uai! Tem é que casá mesmo...
— Bem, pru futuro dela... – interveio o delegado com ares de sábio apaziguador.
– eu posso arranjar um emprego lá em casa, ela lava e passa? Bené não
aguentou. —
Será que sua
mulher vai aceitar isso? O delegado deu um salto. — Aceitar o quê seu
Bené? acho que ocê tá caçando chifre na cabeça de cavalo não é de hoje!
— Bem, dotô, eu quis dizer, será que sua mulher tá precisando de lavadeira?
— E quem é ocê pra saber do quê lá em casa tá precisando, seu?!
— Ela tem que casá! – insistiu o pai lavrador. A mãe concordou abanando a
cabeça. — Olha aqui... ocês vão saindo deixa eu conversar só com
o papai e a mamãe. – disse o delegado gentilmente. Todos obedeceram. Mas Bené,
na saleta de espera, deixou que Emília passasse por ele e fez sinal com a
sobrancelha apontando um canto. Ela se fez de desentendida. Assentou-se no banco
ignorando-o completamente, contudo, arredou-se o bastante para sobrar espaço
caso ele quisesse assentar ao lado. Bené não entendeu assim, parou em pé na
frente da garota, dobrou-se e começou a sussurrar no ouvido dela.
— Eu tô
apaixonado. Vem morar comigo? – mas ficou envergonhado de repente, parou de
falar, porque ela nada disse além do suspiro de tédio.
Encostou-se na parede, ficou olhando para a cara dela. Só isso.
Na sala, delegado tomou a palavra. Eu acho que temos um problema sério
aqui, fez pausa, deu duas voltinhas, eu já vi casamentos assim. Não dão certo
mesmo. Se até casamento certinho a maioria sai errado, imagina se forçar esse
casório. Vamos fazer o seguinte, eu prometo dá emprego para ela lá em casa e
ficar com, no mínimo, um ano pagando o salário. Isso é, se ela quiser, né?
— Mas, dotô... e se ela tiver embuchada? – tentou falar a mãe.
— Não num tá não!... e com esse salário, ela ainda vai poder ajudar ocês.
Diante disso, o pai cutucou a mãe. Ela entendeu. O lavrador só a cutucava assim
para calar a boca. Ficou calada.
— Ela pode
mesmo ter pegado barriga! – ponderou o pai.
— Não se preorcupe ocês dois, se isso acontecer, nós lá em casa damo um jeito. Tá certo?
Deixa que nos arresorve tudo.
— O quê o senhor quer
dizer com isso, seu delegado? Lá em casa somos todos católicos e somos contra o
aborto! – ao ouvir essa palavra malquista e amaldiçoada a mãe tratou de se
benzer com o sinal da cruz três vezes. O pai continuou a sabatinar o doutor. —
Jamais pratiqueremos isso!!
— Calma, meu véio! Deus
me livre!! cê doido?! O que eu quis dizer é que se ela embarrigudá, quer dizer,
se ela embarrigudô mesmo, aí nóis casa eles nem que seja na boca de uma
espingarda! uai!!
A porta se abriu, o riso largo na cara do delegado fez o cabo odiá-lo. Soube de
imediato que Emília iria lavar e passar tudo naquela casa...
Noite adentrando. Um regato corria
na luz da lua recem chegada. Cigarras, vagalumes, um galo cantava, silêncio no mato. A
bicharada se recolhia e era hora das criaturas da noite saírem. Um sapo coaxava
com voz grossa, e tinha resposta de um outro socando bigorna. Dai toda a
redondeza é tomada por grilos, pererecas, cutias e corujas. Cantavam às estrelas...
Formosa apontou no caminho escuro que atravessa a
grota. Fez
a curva entre as árvores, subiu a lombada. Pelo quepe e balanço na sela, a
silhueta é de Bené, o cabo. Emília não o perdeu de vista desde que apontou no
descampado até as árvores nanicas margeando a vereda. Debruçou na janela, a
porta do quarto fechada, mãe e pai já na cama, afinal já passava das nove. Bené,
a bons 300 metros da casa pode vislumbrar o rosto redondo e branco da menina
debroçada na janela. Só podia ser ela. Apeou, amarrou Formosa em uns ramos, cobriu os arreios e a
égua com a capa para protegê-los das gotas de orvalho e seguiu a pé. Parou no
peitoril da janela.
— Oi, –
começou ele sussurrando, — eu tinha que vir aqui! ocê tá na minha cabeça igual
praga de piôiu!
Ela apenas sorriu aquele risinho calado, se afastou e deitou-se na cama. Bené
debruçou-se na janela, Emília na cama, a casa em silêncio.
— Isso tá errado meu Deus, ocê só tem 16!
— Eu tenho é mais... – Emília sorriu brejeira.
— Mais?
— Talvez...
—
Quanto?
—
ahh deixa prá lá...
cê veio aqui pra conversá?
— Como assim?... Só
diga
mais ou meno...
teria
uns Dez...zoito? é?
— Esquece isso
home... eu sabia cocê vinha...
— Éhh? –
Bené pulou a janela.
No dia seguinte,
Formosa, Emília e Bené sumiram, para sempre.
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